Credenciamento não é “atalho” para evitar licitação: entenda quando ele é realmente permitido

Nos últimos meses, cresce o número de pequenos municípios que têm optado por credenciamento para contratar bens e serviços, inclusive em casos onde a legislação exige a realização de licitação eletrônica.
Embora o credenciamento seja uma ferramenta legítima prevista na Lei nº 14.133/2021, ele não pode ser usado como justificativa automática para evitar a concorrência. O fundamento legal é claro: só é válido quando houver inviabilidade de competição.
O que diz a lei
A Lei nº 14.133/2021, que institui o novo regime jurídico das licitações e contratações públicas, manteve a hipótese tradicional de inexigibilidade de licitação (art. 74), aplicável quando não há possibilidade de competição.
Entre os casos listados no artigo, o inciso IV incluiu o credenciamento, definindo que ele pode ser utilizado “para objetos que devam ou possam ser contratados por meio de credenciamento”.
No entanto, a própria lei deixa implícito que o credenciamento não é aplicável em qualquer situação: é necessário que a competição seja inviável, sob pena de ferir o princípio constitucional da isonomia e o dever de licitar.
O art. 6º, inciso XLIII, da Lei 14.133/2021 define credenciamento como:
“Processo administrativo de chamamento público em que a Administração Pública convoca interessados em prestar serviços ou fornecer bens para que, preenchidos os requisitos necessários, se credenciem no órgão ou na entidade para executar o objeto quando convocados.”
Já o art. 79 delimita as hipóteses em que o credenciamento pode ser utilizado:
- Paralela e não excludente – contratação simultânea de todos os interessados que atendam às condições padronizadas.
- Com seleção a critério de terceiros – escolha feita pelo beneficiário direto da prestação, não pela Administração.
- Em mercados fluidos – quando há flutuação constante de preços e condições, inviabilizando propostas para execução futura (ex.: aquisição de combustíveis).
Nesses três casos, há inviabilidade de competição na forma tradicional, justificando a inexigibilidade.
Onde está o problema
O que se observa, especialmente em pequenos municípios, é que o credenciamento tem sido usado como alternativa “mais rápida” ao pregão eletrônico, mesmo quando não há qualquer impedimento à competição.
Exemplo: contratação de serviços de manutenção, fornecimento de materiais ou prestação de serviços comuns, com produtos diferenciados e valores estáveis no mercado. Nessas situações, a licitação eletrônica é obrigatória, conforme art. 17, § 2º, da Lei 14.133/2021, e o uso do credenciamento como substituto fere a norma.
Essa prática, além de ilegal, pode gerar apontamentos de órgãos de controle, como Tribunais de Contas, e até responsabilização de gestores, pois descaracteriza o objetivo do credenciamento e enfraquece a transparência e a competitividade.
Diferença essencial: licitação x credenciamento
- Licitação eletrônica: processo competitivo, onde fornecedores disputam para oferecer a proposta mais vantajosa, garantindo isonomia e transparência.
- Credenciamento: chamamento público para habilitar previamente todos os interessados, sem competição entre eles no momento da habilitação. A contratação ocorre posteriormente, conforme demanda e condições já definidas.
Portanto, o credenciamento não é uma modalidade de licitação, mas sim um procedimento auxiliar, fundamentado na inexigibilidade (art. 74, IV), que só pode ser usado quando não houver disputa possível.
O que diz o Decreto nº 11.878/2024
O decreto regulamenta o credenciamento, reforçando no art. 19 que, após a lista de credenciados ser publicada, a Administração poderá convocá-los para assinatura do contrato ou emissão de empenho.
No entanto, essa convocação só é legítima se o credenciamento tiver sido instituído observando o art. 72 da Lei 14.133/2021, que exige documentos como:
- Documento de formalização de demanda
- Estudo técnico preliminar (quando aplicável)
- Análise de riscos
- Termo de referência ou projeto básico
- Justificativa de preço
- Autorização da autoridade competente
Ou seja, mesmo no credenciamento, há um processo administrativo formal que deve ser seguido, não sendo um “atalho” sem requisitos.
Conclusão
O credenciamento é uma ferramenta valiosa para dar agilidade a contratações quando a competição é inviável.
O uso indevido, em situações que exigem pregão eletrônico ou outra modalidade licitatória, além de ilegal, compromete a transparência e pode trazer sanções ao gestor.
Para os municípios, especialmente os de pequeno porte, é essencial compreender que a pressa não justifica atropelar a lei: cada caso deve ser avaliado tecnicamente, com base no princípio da legalidade e na finalidade pública da contratação.