Estado São Francisco: Uma vida sertaneja em busca do seu próprio estado no oeste baiano

A região do Rio São Francisco, que hoje compõem parte significativa do Oeste Baiano, tem uma história que remonta ao século XIX.

Em 1820, a Comarca do Rio São Francisco foi criada, desmembrada da Comarca do Sertão de Pernambuco, com o objetivo de facilitar a administração em uma área de vastas distâncias. 

No entanto, sua trajetória foi marcada por mudanças: em 1824, a região foi transferida para Minas Gerais e, em 1827, foi definitivamente incorporada à Bahia. 

Essa passagem por diferentes jurisdições deixou marcas profundas na identidade local, alimentando debates sobre a diferença cultural e autonomia que persiste até hoje.

Ao longo dos anos, diversas propostas de emancipação surgiram. A primeira delas, em 1850, foi liderada por João Maurício Wanderley, o Barão de Cotegipe, que defendia a criação de um novo estado com capital na Vila de Urubu (atual Paratinga). 

Mais recentemente, em 2011, o Projeto de Decreto Legislativo nº 355, apresentado pelo deputado federal Oziel Oliveira, propôs a realização de um plebiscito para a criação do Estado do Rio São Francisco. 

Essas iniciativas refletem um sentimento regional de busca por maior representatividade e eficiência administrativa.

A passagem da região por diferentes estados — Pernambuco, Minas Gerais e, finalmente, Bahia — contribuiu para a formação de uma identidade única. 

O Oeste Baiano, banhado por vários rios tendo o maior o Rio São Francisco, desenvolveu características culturais e econômicas distintas das áreas litorâneas da Bahia.

A geografia, aliada a um histórico de isolamento e marginalização em relação ao centro de poder em Salvador, foi decisiva na formação dessa identidade.

A Comarca do Rio São Francisco, criada para facilitar a administração em uma região de difícil acesso, acabou se tornando um reduto da vida sertaneja na Bahia.

A sensação de distanciamento do governo estadual e a falta de investimentos em infraestrutura e serviços públicos reforçaram, ao longo dos anos, a ideia de que a região poderia se desenvolver melhor sob uma gestão própria.

A Bahia é conhecida por sua rica diversidade cultural, mas essa diversidade não se resume ao litoral. 

Enquanto Salvador se destaca por celebrações urbanas e manifestações culturais de grande expressão, como o carnaval, o Oeste Baiano constrói sua identidade em torno da vida sertaneja e da relação íntima com a natureza.

No interior, a cultura é rural e está intimamente conectada ao ciclo agrícola. Festas juninas, vaquejadas, cavalgadas e tradições populares refletem o cotidiano da vida nos municípios do oeste. 

Além disso, a proximidade com Minas Gerais e Goiás influenciou costumes, linguagem e até mesmo a culinária da região. 

Essa identidade única é frequentemente citada como um dos pilares dos debates pró separatismo, já que muitos moradores se identificam mais com as características culturais do próprio interior do que com as tradições de Salvador.

A região proposta para o novo Estado São Francisco abrangeria 35 municípios, com uma extensão territorial de aproximadamente 120 mil km² — área maior que a de países como Portugal (92 mil km²) e Coreia do Sul (100 mil km²). 

Em termos populacionais, a região tem cerca de 1,5 milhão de habitantes, com uma densidade demográfica relativamente baixa, o que apresenta desafios e oportunidades para a gestão pública.

Comparativamente, estados como Sergipe (21 mil km²) e Alagoas (27 mil km²) têm territórios menores e populações semelhantes, mas conseguiram estruturar uma administração eficiente. 

Esses exemplos sugerem que a criação de um novo estado não seria um caso isolado, mas sim parte de uma tendência histórica de reorganização territorial no Brasil.

O Oeste Baiano é uma das regiões mais produtivas do país em termos agrícolas. A soja, várias frutas e a pecuária são os pilares da economia local, impulsionados pela irrigação de vários rios como o Corrente e o São Francisco. 

Segundo dados do IBGE, a região responde por uma parcela significativa do PIB agrícola da Bahia, mas enfrenta desafios como a falta de infraestrutura logística e a dependência de políticas públicas centralizadas em Salvador.

Além da agricultura, o potencial turístico da região com destaque para o Correntina e suas paisagens únicas é pouco explorado. 

A criação de um novo estado poderia atrair investimentos em infraestrutura para facilitar o desenvolvimento econômico através do escoamento da produção tanto para o litoral quanto para o interior do Brasil.

A centralização administrativa em Salvador tem sido apontada pelos defensores do separatismo como um dos principais obstáculos para o desenvolvimento do Oeste Baiano.

Políticas públicas desenhadas para o litoral e para poucas cidades grandes do centro do estado nem sempre atendem às necessidades específicas da região, resultando em defasagem em áreas como saúde, educação e emprego.

Um exemplo emblemático são os desafios enfrentados por empresários do agronegócio e do varejo. 

Enquanto o litoral concentra investimentos em logística e acesso a mercados, produtores rurais do Oeste Baiano lidam com estradas precárias, modernização da legislação tributária estadual e a burocracia excessiva para exportação e consumo interno. 

Pequenos comerciantes, por sua vez, enfrentam dificuldades para obter crédito e competir com redes nacionais localizadas na capital, recebendo o incentivo econômico necessário. 

Uma gestão regional poderia implementar políticas de fomento ao comércio local e infraestrutura logística, reduzindo custos e aumentando a competitividade, algo complexo de ser articulado a mais de 900 km de distância, em Salvador.

Casos como o do Tocantins, criado em 1988 após a divisão de Goiás, mostram que a descentralização pode trazer benefícios. Desde sua criação, o Tocantins investiu em infraestrutura e políticas públicas adaptadas às suas necessidades, resultando em um crescimento econômico acima da média nacional.

Um dos argumentos contra a criação de novos estados é o risco de fragmentação do território nacional. No entanto, a história brasileira mostra que divisões administrativas podem fortalecer a federação. 

O caso do Tocantins, por exemplo, não resultou em fragmentação, mas em uma gestão mais eficiente e adaptada às características locais.

Outra preocupação é a viabilidade econômica. Porém a riqueza natural da região, com destaque para o potencial agrícola e turístico sugere que um novo estado poderia se sustentar economicamente.

A região do Rio São Francisco carrega uma história marcada por reivindicações e um potencial econômico inegável, impulsionado pelo agronegócio e pelo comércio regional. 

No entanto, questões como a centralização de decisões em Salvador, a carência de infraestrutura logística e os entraves tributários vem ressurgindo a discussão sobre modelos administrativos mais eficientes e próximos da população local.

A proposta de criação de um novo estado surge como uma possibilidade entre outras, não como ruptura, mas como alternativa para aproximar a gestão das demandas locais.

Projetos como o do deputado Oziel Oliveira (2011) destacam a busca por soluções que equilibrem identidade regional e integração nacional, sem ignorar desafios como os custos de transição e a necessidade de consenso político.

Enquanto o debate persiste, estudos apontam caminhos possíveis:

  • Descentralização gradual de políticas públicas, como já ocorre em programas de irrigação e crédito rural.
  • Parcerias intermunicipais para resolver problemas comuns, como a pavimentação de estradas e o acesso a mercados.
  • Incentivo à participação popular em conselhos regionais, ampliando o diálogo entre governo e setores produtivos.

A pergunta central — como equilibrar autonomia e integração? — não tem uma resposta pronta. Mas o fato de o debate persistir, mesmo após 160 anos, mostra que a região do Oeste Baiano ainda busca seu espaço no cenário brasileiro.

Enquanto políticos discutem propostas e projetos, o futuro da região está sendo construído no dia a dia: nos campos do agro, nas pequenas empresas de varejo, nas estradas que ligam municípios e nas mãos de quem trabalha para transformar desafios em oportunidades. 

Seja através de políticas centralizadas em Salvador ou de modelos mais regionalizados, o futuro da região depende de um equilíbrio que respeite tanto a identidade sertaneja do interior quanto os objetivos nacionais.

Uma coisa é fato: Oeste Baiano não espera; ele avançará, mesmo que a lentos passos.

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