Operação Overclean: R$ 1,4 bilhão em fraudes, políticos investigados e um esquema bilionário que se espalha pelo país

A Operação Overclean se tornou, em poucos meses, uma das mais expressivas ações de combate à corrupção, fraudes em licitações e lavagem de dinheiro no país. Com quatro fases já deflagradas pela Polícia Federal, em conjunto com o Ministério Público Federal, Controladoria-Geral da União, Receita Federal e até apoio internacional, a investigação revela um esquema bilionário de desvio de recursos públicos envolvendo empresários, servidores, prefeitos e parlamentares.

O início: como nasceu a Operação Overclean

A Operação Overclean, deflagrada em dezembro de 2024, teve origem em uma investigação anterior que começou silenciosamente em 2023, a partir de suspeitas de lavagem de dinheiro e irregularidades em contratos públicos vinculados ao DNOCS na Bahia. A operação cresceu e se transformou em um dos maiores esquemas de fraudes licitatórias e desvio de recursos públicos da última década, com um rombo estimado em R$ 1,4 bilhão.

1. As primeiras pistas

As primeiras suspeitas surgiram em 2023, quando a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Receita Federal identificaram movimentações financeiras atípicas de empresas contratadas pelo DNOCS/CEST-BA, especialmente em obras realizadas desde 2017. Relatórios fiscais e auditorias apontaram o uso de notas fiscais frias, contratos superfaturados e documentos forjados, com movimentações financeiras muito superiores à capacidade declarada das empresas. Essas inconsistências levantaram o alerta para um possível esquema de desvio de verbas públicas e deram início às ações fiscais e investigativas.

2. Ampliação da investigação

Com os indícios iniciais confirmados, as auditorias foram aprofundadas. O cruzamento de dados entre órgãos de controle revelou um padrão sistêmico de fraudes: contratos milionários financiados por emendas parlamentares e convênios federais estavam sendo direcionados a empresas fantasmas ou a grupos empresariais ligados por relações pessoais e societárias. Só em 2024, foram identificados contratos suspeitos que somavam cerca de R$ 825 milhões. A cada novo documento analisado, ficava mais evidente que os desvios iam muito além de um caso isolado — tratava-se de uma rede articulada, com ramificações políticas e administrativas em diferentes estados.

3. Construção da rede criminosa

O avanço das investigações permitiu mapear a estrutura da organização criminosa. O grupo era dividido entre operadores centrais, responsáveis pela articulação com políticos e empresários, e operadores regionais, que atuavam em prefeituras e órgãos públicos para viabilizar os contratos fraudulentos. A atuação envolvia desde a manipulação de licitações e documentos técnicos, até o pagamento de propina e lavagem de dinheiro por meio de empresas de fachada, contas laranja e investimentos em bens de alto valor. Com apoio técnico da CGU e da Receita, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal consolidaram um acervo robusto de provas documentais, contábeis e digitais.

4. Deflagração da Operação Overclean

Diante da gravidade e da dimensão do esquema, e já com provas consistentes em mãos, a Polícia Federal, em cooperação com o MPF, a CGU, a Receita Federal e o apoio da agência americana HSI (Homeland Security Investigations), deflagrou a primeira fase da Operação Overclean em 10 de dezembro de 2024. A ofensiva mirou diretamente os envolvidos no núcleo da organização, com o cumprimento de mandados de busca e apreensão, prisões preventivas e o bloqueio de bens em diversos estados, incluindo Bahia, Tocantins, Minas Gerais, Goiás e São Paulo.

A operação foi batizada de Overclean — um trocadilho com a ideia de uma “limpeza exagerada” ou falsa — em referência à tentativa do grupo de dar aparência legal a contratos fraudulentos, enquanto ocultava bilhões em recursos desviados do poder público.


As fases da operação: o desmonte do esquema

FASE 1 – 10/12/2024

A primeira fase executou 42 mandados de busca e apreensão e 17 prisões preventivas. Entre os alvos, estava o empresário José Marcos de Moura, conhecido como o “Rei do Lixo”, apontado como operador central do esquema.

Foram apreendidos três aeronaves, imóveis de luxo, carros de alto padrão e documentos com planilhas que listavam repasses milionários. Uma das escrituras encontradas fazia referência ao deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA), que negou qualquer envolvimento.

FASE 2 – 23/12/2024

A segunda fase teve foco nas cidades de Salvador, Lauro de Freitas, Vitória da Conquista e Brasília, resultando em novas prisões e apreensão de mais de R$ 1 milhão em espécie.

Entre os presos estavam um policial federal, o vice-prefeito de Lauro de Freitas, um secretário municipal e o lobista Carlos André. As investigações apontaram que parte dos recursos desviados vinham de emendas parlamentares, destinadas a prefeituras mediante cobrança de propina e favorecimento em contratos.

FASE 3 – 03/04/2025

Na terceira fase, batizada de Overclean III, foram cumpridos 16 mandados judiciais em Bahia, São Paulo, Minas Gerais e Sergipe. O alvo principal foi o DNOCS/CEST-BA, onde servidores federais facilitavam contratações fraudulentas.

O ex-secretário de Educação de Salvador e atual titular da pasta em Belo Horizonte, Bruno Barral, foi afastado do cargo. Em sua residência, a PF encontrou joias, moedas estrangeiras e cofres com dinheiro vivo. Também foram aprofundadas as ligações entre José Marcos de Moura e os empresários Alex e Fábio Parente, que aparecem como beneficiários diretos do esquema.

FASE 4 – 27/06/2025

A mais recente fase expôs o núcleo político do esquema. Foram expedidos 16 mandados judiciais em municípios do interior da Bahia, como Boquira, Ibipitanga e Paratinga. O foco foram emendas parlamentares manipuladas para beneficiar empresas ligadas ao grupo criminoso.

O Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a quebra do sigilo telefônico e de dados do deputado Félix Mendonça Júnior (PDT-BA), além do afastamento de três prefeitos:

  • Alan Machado França (Boquira – PSB)
  • Humberto Raimundo de Oliveira (Ibipitanga – PT)
  • Marcel Carneiro (ex-prefeito de Paratinga – PT)

Todos são investigados por permitir ou facilitar contratos fraudulentos com recursos de emendas federais. O assessor parlamentar Marcelo Chaves Gomes, ligado a Félix, também foi afastado.


Quem são os investigados

O núcleo central do esquema era liderado por José Marcos de Moura, o “Rei do Lixo”, que atuava como elo entre empresários, políticos e servidores públicos. Ele coordenava a distribuição de emendas e firmava contratos simulados com empresas de fachada.

Outros nomes investigados:

  • Carlos André e Gabriel Sobral, lobistas e operadores financeiros.
  • Alex e Fábio Parente, empresários beneficiados por contratos.
  • Bruno Barral, suspeito de intermediar repasses e favorecimentos.
  • Félix Mendonça Jr. e Elmar Nascimento, deputados citados por envolvimento político.
  • Diversos servidores públicos, prefeitos e agentes federais, que atuavam dentro dos órgãos para garantir que as licitações fossem direcionadas.

Como funcionava o esquema

O esquema criminoso revelado pela Operação Overclean seguia uma lógica bem articulada de corrupção institucionalizada, envolvendo parlamentares, servidores públicos, empresários e operadores financeiros. A engrenagem funcionava em quatro etapas principais:

  1. Captação de recursos via emendas parlamentares
    Deputados federais direcionavam emendas para prefeituras previamente cooptadas pelo grupo. Esses municípios, por sua vez, firmavam convênios com órgãos federais — como o DNOCS — e se comprometiam a contratar empresas ligadas ao esquema.
  2. Licitações simuladas e contratos direcionados
    As licitações eram conduzidas de forma fraudulenta, com cartas marcadas e empresas de fachada previamente escolhidas para vencer os certames. Em muitos casos, os processos sequer eram realizados de fato — apenas formalizados no papel para justificar os pagamentos públicos.
  3. Superfaturamento e devolução de propina
    Os contratos firmados apresentavam valores muito acima dos praticados no mercado. Após o repasse dos recursos, parte do dinheiro era devolvida em forma de propina aos políticos e agentes públicos envolvidos, por meio de transações em espécie ou triangulações bancárias dissimuladas.
  4. Lavagem de dinheiro e blindagem patrimonial
    Para ocultar a origem ilícita dos valores, o grupo utilizava uma rede de empresas de fachada, laranjas e operadores especializados. O dinheiro era lavado através de investimentos em imóveis de luxo, aeronaves, embarcações, joias, veículos de alto padrão e contas no exterior.

As provas reunidas pela PF incluem planilhas detalhadas com mais de 100 nomes e codinomes, indicando valores repassados, percentuais de comissão, status dos contratos e distribuição da propina. Esses documentos demonstram não apenas a dimensão financeira do esquema, mas também seu nível de organização e controle interno.


O que dizem os investigados

Deputado Félix Mendonça Júnior (PDT‑BA)

Sobre a quarta fase da Overclean, Félix afirma ter sido “surpreendido” com a operação, mas destaca que todas as suas emendas seguiram os trâmites legais. Seus representantes afirmaram:

“O deputado foi surpreendido … nega qualquer irregularidade no envio de emendas parlamentares para municípios baianos … está colaborando com as investigações para que todos os fatos sejam devidamente esclarecidos”.

Deputado Elmar Nascimento (União Brasil‑BA)

Na terceira fase, Elmar teve seu nome citado em uma escritura apreendida na casa do empresário José Marcos de Moura, mas sua defesa esclareceu:

“A transação foi objeto de financiamento bancário regular e se submeteu a estrito escrutínio pela instituição financeira correspondente… trata‑se de operação negocial corriqueira, transparente e sem qualquer indício mínimo de irregularidade”.

Sobre as emendas entregues a Campo Formoso, ele argumentou:

“O parlamentar que indica emendas orçamentárias não tem competência e nem se torna responsável pela execução das verbas e pela fiscalização das respectivas obras e serviços”.

Seu assessor, Amaury Albuquerque Nascimento (primo), apareceu em planilhas de propina, mas também negou envolvimento:

“Nunca foi intimado para prestar nenhum esclarecimento… Não tenho ciência formal de nada que me vincule a esta investigação”.

Lobistas e operadores

O lobista Gabriel Mascarenhas Sobral, investigado desde a fase 3, disse que sua atuação era “voltada exclusivamente ao setor privado” e que “nenhum dos contratos mencionados nos autos foi executado, tendo sido ou rejeitados ou arquivados”.

Prefeitos e secretários municipais (fases 3 e 4)

Os prefeitos investigados em Boquira, Ibipitanga e Paratinga ainda não emitiram notas oficiais até o momento, nem apresentaram defesas públicas.

Empresários apontados como operadores

Até a data da quarta fase (27/06/2025), empresários como José Marcos de Moura e os irmãos Alex e Fábio Parente não haviam divulgado defesas formais. Alguns (como Moura em fases anteriores) negaram envolvimento, alegando não possuir contratos irregulares ou vínculos com órgãos públicos


Prisões e desdobramentos

Fase 1 – 10 de dezembro de 2024

A PF deflagrou 17 prisões preventivas na primeira fase do Overclean, das quais 16 foram executadas — entre elas a de José Marcos de Moura (o “Rei do Lixo”) e Lucas Maciel Lobão Vieira, ex-coordenador da DNOCS-BA. Também foram cumpridos 43 mandados de busca e apreensão espalhados pela Bahia, Tocantins, São Paulo, Minas Gerais e Goiás. A ação resultou no bloqueio de aproximadamente R$ 162 milhões em bens, além de apreensão de aeronaves, imóveis, barcos e veículos de luxo.

Fase 2 – 23 de dezembro de 2024

Na segunda etapa, quatro novas prisões preventivas foram decretadas e cumpridas — incluindo um policial federal, o vice-prefeito de Lauro de Freitas (Vidigal Cafezeiro Neto), o secretário de Mobilidade de Vitória da Conquista, e o lobista Carlos André. A PF também realizou 10 mandados de busca, determinou o afastamento cautelar de agentes públicos e apreendeu cerca de R$ 4,7 milhões em espécie e veículos de luxo.

Fase 3 – 3 de abril de 2025

Chamado de Overclean III, esta fase cumpriu 16 mandados de busca e apreensão em Salvador, São Paulo, Belo Horizonte e Aracaju, além de afastar um servidor público por determinação judicial do STF. Embora tenha havido prisões nesta etapa, a PF concentrou-se principalmente em apreensão documental e bloqueios, destacando a continuidade do aprofundamento das investigações .

Fase 4 – 27 de junho de 2025

A etapa mais recente cumpriu 16 mandados de busca em cidades como Salvador, Boquira, Ibipitanga e Paratinga (BA) e resultou no afastamento de três prefeitos por ordem do STF. Durante as diligências, a PF encontrou “gavetas abarrotadas de dinheiro”. Também foi iniciada a quebra de sigilo de integrantes do núcleo parlamentar investigado, associado ao deputado Félix Mendonça Júnior.


Resumo acumulado

  • Mais de 20 prisões preventivas foram realizadas ao longo das quatro fases.
  • Três prefeitos e ao menos um secretário estadual foram afastados cautelarmente.
  • Bens somando aproximadamente R$ 162 milhões foram bloqueados, além de apreensões de veículos, embarcações e imóveis.
  • A PF também desmantelou uma célula de apoio, com um policial federal preso na fase 2 por vazar informações sensíveis ao grupo criminoso.

As autoridades indicam que novas fases da operação são possíveis, à medida que o material apreendido — planilhas, registros bancários, quebras de sigilo — continuar sendo processado. O Ministério Público Federal prepara a apresentação de denúncias formais, potencialmente ainda neste semestre.


Conclusão: o impacto da Operação Overclean

A Operação Overclean expôs com clareza o grau de sofisticação e articulação dos esquemas de corrupção que se infiltram no coração das políticas públicas brasileiras. Mais do que um caso isolado, a investigação revelou uma engrenagem sistemática de desvio de recursos públicos, operada por meio de emendas parlamentares, contratos simulados e empresas de fachada, com envolvimento de agentes políticos, servidores, empresários e operadores financeiros.

O impacto da operação vai muito além das prisões, afastamentos e bloqueios de bens. Ela lança luz sobre fragilidades estruturais no sistema de fiscalização e controle, sobretudo no uso de recursos oriundos de emendas, que deveriam atender às necessidades reais da população — saúde, infraestrutura, saneamento, educação — mas vêm sendo sequestradas por interesses particulares.

A Overclean mostrou também que a corrupção não age sozinha: ela se apoia na omissão, no silêncio e, muitas vezes, na normalização de práticas ilegais travestidas de burocracia. Ao mesmo tempo, demonstrou que quando instituições como a Polícia Federal, o Ministério Público, a Receita Federal e a CGU atuam de forma coordenada, os resultados são significativos e capazes de desarticular redes criminosas inteiras.

E o que a população pode fazer?

O combate à corrupção não é tarefa exclusiva do Estado. A sociedade civil tem um papel essencial nesse processo. É possível — e necessário — agir de forma concreta:

  • Fiscalizar o uso de recursos públicos em seu município, acompanhando obras, licitações e contratos. Muitos dados estão disponíveis em portais da transparência e sites institucionais.
  • Denunciar irregularidades por meio de canais oficiais como:
  • Votar com consciência, escolhendo candidatos com histórico limpo e compromisso com a ética na gestão pública.
  • Compartilhar informação qualificada, combatendo a desinformação e fortalecendo a educação política.

A limpeza continua — e precisa de todos nós

Apesar da grandiosidade da operação, ela representa apenas o começo de uma longa jornada. O próprio nome “Overclean” ironiza a tentativa dos criminosos de dar aparência legal a contratos sujos. Agora, cabe à Justiça garantir que os responsáveis sejam punidos, e à sociedade garantir que esse ciclo de impunidade seja, de fato, rompido.

O Brasil já mostrou, em outras ocasiões, que é capaz de reagir. A Overclean é mais um capítulo de um movimento que só se fortalece com engajamento, participação social e compromisso com a integridade. Não se trata apenas de punir culpados — mas de recuperar a confiança nas instituições, proteger o dinheiro público e assegurar que ele chegue a quem realmente precisa.

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